terça-feira, 1 de maio de 2012

Você tem direito à memória


É comum ouvir que o brasileiro tem memória curta, esta é uma afirmativa que não corresponde aos fatos. A memória é uma faculdade que se encontra nas entranhas do ser humano. Ela não é coisa dada, ou só porque está assegurada no arcabouço jurídico do Brasil. A memória é fator preponderante para a história e se constitui em elemento capital na formação da identidade cultural das pessoas, grupos sociais e nações. Na verdade somos um pouco daqueles que nos antecederam com suas dores e alegrias, criatividades e fazeres. Somos a síntese e base para que outros no futuro próximo passem a ser a memória do mundo. Raul Seixas em sua poesia/música GITA nos ajuda nesta reflexão:

...“Eu sou a luz das estrelas;
Eu sou a cor do luar;
Eu sou as coisas da vida;
Eu sou o medo de amar.

Eu sou o medo do fraco;
A força da imaginação;
O blefe do jogador;
Eu sou!... Eu fui!... Eu vou!...

Eu sou o seu sacrifício;
A placa de contra-mão;
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição.

Eu sou a vela que acende;
Eu sou a luz que se apaga;
Eu sou a beira do abismo;
Eu sou o tudo e o nada.

Por que você me pergunta?
Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra,
Do fogo, da água e do ar!

Você me tem todo dia,
Mas não sabe se é bom ou ruim.
Mas saiba que eu estou em você,
Mas você não está em mim.

Das telhas eu sou o telhado;
A pesca do pescador;
A letra "A" tem meu nome;
Dos sonhos eu sou o amor.

Eu sou a dona de casa
Nos pegue pagues do mundo;
Eu sou a mão do carrasco;
Sou raso, largo, profundo.

Eu sou a mosca da sopa
E o dente do tubarão;
Eu sou os olhos do cego
E a cegueira da visão.

Eu!
Mas eu sou o amargo da língua,
A mãe, o pai e o avô;
O filho que ainda não veio;
O início, o fim e o meio.
O início, o fim e o meio.
Eu sou o início,
O fim e o meio.
Eu sou o início
O fim e o meio."

A palavra memória origina-se do Grego "mnemis" ou do latim, "memória". Em ambos os casos a palavra denota significado de conservação de uma lembrança. Trata-se de um termo presente e utilizado por várias ciências. Para os gregos a memória estava recoberta de um halo ,ciclo luminoso, de divindade, pois refere-se à "deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que protegem as artes e a história" (CHAUI, 2005, p. 138).

De acordo com M. Chauí a "memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total. A lembrança conserva aquilo que se foi e não retornará jamais" (CHAUÍ, 2005, p. 138). Para ilustrar, a autora narra a lenda de Simônides, salvo de um acidente em que morreram inúmeras pessoas. Como os mortos ficaram irreconhecíveis Simônides pode identificá-los graças à "arte da memória" de um poema, dedicado às musas e deuses. Em função dessa "evocação" nossa sociedade preserva elementos culturais, memoráveis, em locais denominados "museus", a casa das musas.

Mas, a preservação da memória dá-se também através dos griôs: o griô vem de griot – palavra francesa, é um(a) caminhante, cantador(a), poeta, contador(a) de histórias, genealogista, artista, comunicador(a) tradicional, mediador(a) político(a) da comunidade. Ele(a) é o sangue que circula os saberes e histórias, mitos, lutas e glórias de seu povo, dando vida à rede de transmissão oral de sua região e país. No Brasil Griô se refere a todo(a) cidadão(ã) que se reconheça e/ou seja reconhecido(a) pela sua própria comunidade como: um(a) mestre das artes, da cura e dos ofícios tradicionais, um(a) líder religioso(a) de tradição oral, um(a) brincante, um(a) cantador(a), tocador(a) de instrumentos tradicionais, contador(a) de histórias, um(a) poeta popular, que, através de uma pedagogia que valoriza o poder da palavra, da oralidade, da vivência e da corporeidade, se torna a biblioteca e a memória viva de seu povo. Em sua caminhada no mundo, ele(a) transmite saberes e fazeres de geração em geração, fortalecendo a ancestralidade e a identidade de sua família ancestral e comunidade. São exemplos das griôs e dos griôs no Brasil: congadeiro(a), jongueiro(a), folião(ã) dos reis, capoeira, parteira(o), zelador(a) de santo, erveira(o), caixeiro(a), carimbozeiro(a), reiseiro(a), tocador(a) de viola, sanfoneiro(a), rabequeiro(a), cirandeiro(a), maracatuzeiro(a), coquista, marujo, artista de circo, artista de rua, bonequeiro(a), mamulengueiro(a), catireiro(a), repentista, cordelista, pajé, artesão(ã), e fazedores(as) de todas as demais expressões culturais populares que se desenvolveram e se transmitem por uma tradição oral.

A identidade cultural está intimamente ligada à memória e ao patrimônio. Assim sendo, a preservação da memória passa inevitavelmente pela proteção não só dos bens edificados, imóveis, mas também dos usos e costumes de um povo. Neste sentido, a responsabilidade do Estado, as municipalidades por exemplo, de respeitar e acatar a memória como uma espécie de direito coletivo / difuso através de criação de estruturas legais que potencializem o planejamento e execução de políticas públicas para a proteção, divulgação e a manutenção da cultura e da identidade dos povos.

O seu município possui políticas públicas que assegurem a memória coletiva, o patrimônio e a identidade cultural?

Nenhum comentário:

Postar um comentário