O titulo desta reflexão é parte das crônicas
que Dom Helder Câmara lia, ao longo de alguns meses do ano de 1982, durante o
programa “Um Olhar Sobre a Cidade” ao microfone da Rádio Olinda de
Pernambuco. O público ouvinte desse
programa radiofônico compunha-se, em sua maioria, das camadas mais simples da
população.
Disse D. Helder:
“Carnaval é a alegria popular. Direi
mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida.
Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos,
aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte
de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. Estive
recordando sambas e frevos, do disco do Baile da Saudade: ´ô jardineira por que
estas tão triste? Mas o que foi que aconteceu… Tu és muito mais bonita que a
camélia que morreu`. BRINQUE MEU POVO QUERIDO! MINHA GENTE QUERIDÍSSIMA. É
VERDADE QUE QUARTA - FEIRA A LUTA RECOMEÇA. MAS, AO MENOS, SE PÔS UM POUCO DE
SONHO NA REALIDADE DURA DA VIDA”
No
transcurso dos anos trinta e quarenta, segundo a obra literária “Barreiras,
Bê-A,... da Barra pra cá!” da lavra de Luiz G. Pamplona na cidade de
Barreiras/BA havia uma rusga entre os participantes dos Clubes Carnavalescos.
Não se admitia que as filhas das famílias abastadas se misturassem aos foliões
que tivessem posses abaixo de seus pais. Por isto, foram criados os clubes
sazonais a exemplo do “Democratas da Cidade”,
“Filhos de Momo” e o “Terror da Zona” este último constituído e
organizado por trabalhadores.
A
coordenação do Bloco o “Terror da Zona” era feita por João Ferreira de Souza
mais conhecido por Joquinha um carpinteiro. A agremiação carnavalesca dos excluídos,
Terror da Zona, durou aproximadamente cinco anos que por vez deu origem ao
Clube Dragão da Cidade que mais tarde foi apelidado por Dragão Social. O Dragão
viveu por longos 56 anos de atividades sócio/culturais até que o prédio fosse
demolido e no mesmo espaço físico edificado o Centro Cultural Rivelino Carvalho
durante a primeira gestão do prefeito Saulo Pedrosa.
Conta
Dr. Luís Pamplona que Aurino Almeida gerente do aeroporto da Pannair comentou
que: “parece sopa, vão brincar sem roupa”. A expressão pilhérica e
discriminatória expressava que os operários/trabalhadores iriam brincar o
carnaval sem fantasia de seda importada como era moda. Assim, o líder do
“Terror da Zona”, o poeta/compositor Joquinha, criou uma modinha em resposta ao
insulto elitista que tem o título:
“Algodão
Tinto”
A turma do Terror,
Parece sopa,
Assim fala gente boa,
Que vamos brincar sem roupa.
Já são três horas,
Já chegou a hora “H”.
Barreirense, dá licença,
Que o Terror vai vadiar.
Algodão tinto,
Mesmo que custe um tostão,
Terror da zona falado,
Vai sair na multidão!
Até os velhos,
Que já andam de bastão,
Vão sair em nosso bloco,
Mesmo de bebé – chorão.
O
carnaval é a alegria popular, é a festa da criatividade, da liberdade e da
irreverencia. A engenhosidade artística dos foliões é sem fronteiras. Os seus
criadores são ao mesmo tempo gestores e fruidores, independente de classes
sociais. Prova disto são os grupos momescos barreirenses desde os anos vinte
com o Barreiras Tênis Clube, Unidos da Vila Brasil, Filhos de Momo, Bloco da
Rola, Terceira Idade, Netos de Momo, Bloco do Zé de Hermes, Novos Baianos e do Homem
da Caverna entre outros. Os foliões e foliãs se entregam aos caprichos da
liberdade, sem medo de que serão castigados por forças divinas, até o corpo não
mais aguentar. E quando tudo parece que a festa carnavalesca chegou ao fim,
pois é noite de quarta-feira, eis que surge das cinzas o Nazaro, o folião que
morreu do muito que comeu, bebeu e do peido que deu, a correr e a cometer
brincadeiras pelas ruas do centro histórico da centenária Barreiras. É a
tradição mantida que revive e fortalece os corpos, as mentes, os corações e a
identidade cultural barreirense sem preconceitos sociais e ou religiosos.
“Terror,
na rua, brincando.
No
samba sou campeão.
Hoje
é dia de folia.
Nossa
vida está na mão”
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